sábado, 5 de março de 2011

AMAZÔNIA É RARA......BIO-DIVERSIDADE



Um helicóptero levou o biólogo Fábio Röhe de Manaus à campina de Tupana, próxima ao rio que dá nome à região, um afluente do Igapó-Açu. E não havia outra maneira da expedição do projeto Geoma chegar lá, bem no meio do interflúvio dos rios Madeira e Purus, no estado do Amazonas. Fábio Röhe, um especialista em sauins, um tipo de primata, conhecia bem as espécies encontradas em áreas próximas e esperava encontrar por ali um Saguinus fuscicollis ainda não descrito pela ciência.

Röhe, pesquisador da Universidade Federal do Amazonas e da Wildlife Conservation Society (WCS), já conhecia os padrões de distribuição de Saguinus, entre eles os fuscicollis, cujas espécies geralmente são separadas pelos grandes rios amazônicos. E apesar dos relatos do primatologista Marcus Von Roosmalen sobre uma espécie de sagui ainda desconhecida, avistada perto desta região, até então nenhum Saguinus havia sido descrito ali. “Quando olhei no binóculo, vi que era uma nova espécie. Eu conhecia o padrão de coloração de saguinus de regiões vizinhas, e aquele era diferente”, recorda o pesquisador. E era diferente também daquele visto por Roosmalen alguns anos antes.

Saguinus fuscicollis mura, espécie descrita por Röhe em 2007, possui a testa marrom escura e pelos cinzentos no focinho. Os olhos são marrons. Nas costas, um ocre com manchas marrom escuras e pretas, que começam na região escapular e se estendem até a base da cauda. Os braços são negros, com um pouco de marrom avermelhado nas laterais. Em alguns indivíduos, há um pequeno número de pelos brancos formando uma leve linha em cada lado da parte inferior da região do pescoço, perto do queixo.

A descoberta de novas espécies na Amazônia não é algo assim tão surpreendente. Na verdade, segundo um relatório divulgado em outubro pelo Fundo Mundial para o Meio Ambiente (WWF), a cada três dias a descrição de um novo animal ou uma nova planta é publicada em uma revista científica revisada. O relatório demonstrou que 1200 novas espécies de plantas e animais vertebrados foram descritos pela ciência entre 1999 e 2009.

É bom explicar que nem todas as novas espécies eram antes totalmente ignoradas, como o sauim descoberto por Röhe. Existem muitos casos de reclassificação de plantas ou animais já conhecidos. É o caso da Inia boliviensis, antes classificada como Inia geoffrensis, o boto vermelho do rio Amazonas. Após estudos detalhados sobre este golfinho, descobriu-se que a espécie tem diferenças em relação ao parente que vive mais ao norte, além de ter mais dentes no bico, possui diferenças nas dimensões do crânico. O que indica, de qualquer forma, a variedade biológica da região.
Poderia ser mais

O resultado do levantamento, que no início impressionou o próprio WWF, parece alto, mas se for levado em consideração o tamanho e a nossa ignorância sobre a diversidade amazônica, descobre-se que o número poderia ter sido muito mais alto. “É muito, mas é pouco”, brinca Mauro Armelin, coordenador do Programa da Amazônia do WWF Brasil. “A diversidade na região é imensa. Cada vez que vamos a campo, encontramos coisas novas. Mesmo fazendo um esforço, indo à região na seca e nas chuvas, mesmo assim a gente não conhece, não consegue conhecer toda a gama desta diversidade”, completa.

O difícil é chegar onde a biodiversidade pode ser coletada. No relatório, consta a expedição a Altamira, no Pará. “Foi a primeira vez que conseguimos chegar lá, uma região que fica ao lado da BR-163 e da Terra do Meio. E só chegamos lá porque tivemos a ajuda do Exército, que emprestou um helicóptero e soldados especializados em salvamento na selva”, conta Mauro.

O biólogo Mike Hopkins, da Coordenação de Botânica do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), não titubeia ao considerar que o número de plantas descritas na região no intervalo de dez anos (637) é pouco. “Tem muito mais a descobrir”, afirma. Ele mesmo calcula que existam 50 mil novas espécies de plantas a serem reveladas na Amazônia. O problema, na opinião do biólogo britânico, é a falta de coletas. “O número de coletas caiu desde a década de 1980 e chegou a quase zero no início dos anos 2000”, lamenta. “Não dá para falar em espécies novas, se não tem coleta”.

Segundo ele, uma prova de que a região é pouco conhecida é o levantamento publicado pelo Museu Botânico do Rio de Janeiro, onde foram levantadas cerca de 11 mil plantas superiores na Amazônia (cerca de 7 mil só no Amazonas). O número equivale ao de espécies conhecidas no estado de Minas Gerais.

“Por mais que se estude a Amazônia, vemos que ela é menos igual, vemos espécies com distribuição limitada. O padrão da Amazônia é de espécies raras, que ocorrem em áreas limitadas. A coisa mais comum na Amazônia é ser rara”, afirma o biólogo britânico, que há 17 anos atua na região. “Ao contrário do que muitos pensam, a biodiversidade da Amazônia é formada por muitas espécies raras e endêmicas”, completa. E por serem raras, são mais difíceis de se encontrar. Daí a importância de expedições, o que não é fácil fazer devido à dificuldade de acesso e aos custos elevados.



Zonas cegas 
Um modelo matemático desenvolvido por Hopkins indicou que existem três áreas “cegas” na Amazônia na identificação da biodiversidade. A primeira fica ao Norte da região, e se estende desde a Serra do Aracá, Norte do Amazonas, passa por Roraima, e vai até a região das cabeceiras do rio Trombetas no Pará. A segunda começa no Parque Nacional do Jaú e desce em direção ao Solimões, e vai até o interflúvio dos rios Purus e Juruá. E a terceira fica entre o Mosaico do Apuí, conjunto de unidades de conservação no Amazonas, perto da divisa com Mato Grosso e Pará, e inclui também a região da Serra do Cachimbo até Carajás, no Pará.

Para o coordenador da rede do Programa de Pesquisa em Biodiversidade (PPBio) da Amazônia Ocidental, William Magnusson, o número de espécies descobertas ajuda a demonstrar a diversidade da região, mas tem pouco impacto na preservação. “Na Amazônia, vivem 30 milhões de pessoas que afetam a biodiversidade a cada decisão e eles não vão levar isto em conta no seu dia a dia”, afirma Magnusson. Ele acredita também que nem sempre a descrição de novas espécies seja a informação mais importante na hora de decidir sobre a proteção de uma determinada área. “Não adianta dizer que aqui deve ser protegido porque têm espécies novas, se a gente sabe que ali do lado também tem”, completa o biólogo.

A descrição de novas espécies na Amazônia pode ocorrer até mesmo quando se está analisando bichos ou plantas já conhecidos. Existem casos em que foi descrita apenas uma espécie de animal para uma parte da Amazônia, mas quando o pesquisador se aprofundou nos estudos concluiu que se tratavam de três espécies diferentes. “Às vezes é preciso refazer todo o trabalho feito em séculos anteriores, quando a espécie foi descrita, para se ter algum resultado”, afirma Magnusson.

Os números divulgados pelo WWF indicam este paradoxo. O conhecimento avança, mas não na velocidade necessária ou que poderia alcançar com mais recursos. Porém o mais importante é que, nas palavras de Mauro Armelin, o relatório dá uma dimensão para a sociedade sobre o quando a Amazônia é desconhecida e precisa ser estudada. E é também um passo no sentido de dar um valor econômico a esta biodiversidade. “Com as mudanças climáticas, começamos a dar valor à fumaça, que agora é crédito de carbono, mas para a biodiversidade ainda não se dá valor”, ressalta Mauro Armelin.

Ironia é que boa parte destas descobertas tenham ocorrido justamente porque as áreas estudadas estejam sob a mira de grandes empreendimentos. Ou seja, nem bem são descobertas, e novas espécies já estão sob ameaça. O Saguinus fuscicollis mura, por exemplo, vive em uma região impactada pela reconstrução da BR-319 (Manaus-Porto Velho) e pode sofrer influência das hidrelétricas do rio Madeira. “Nos vemos atualmente em uma corrida contra o tempo, pois o pessoal e os recursos para a ciência são reduzidos, proporcionando uma luta injusta entre a pesquisa e o desenvolvimento, que elimina habitats a uma taxa impressionante na Amazônia”, afirma Röhe

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